Paracetamol e Autismo: Derrubando mais uma informação falsa

Nos últimos dias, certamente você se deparou com a polêmica sobre o uso de paracetamol (acetaminofeno) na gravidez e sua suposta ligação com o autismo. Esse tipo de informação pode gerar ansiedade e culpa, mas é fundamental entender a verdade por trás desses rumores.

A ciência é clara: não há evidências que provem que o paracetamol causa autismo.

O que é o paracetamol e o que ele faz no nosso corpo?

O paracetamol é um medicamento muito comum, classificado como analgésico (alivia a dor) e antipirético (reduz a febre). Ele age principalmente no sistema nervoso central, ajudando a bloquear a produção de substâncias que causam dor e inflamação, e agindo sobre a área do cérebro que regula a temperatura corporal.

Embora seja considerado seguro nas doses recomendadas, o paracetamol pode ser altamente tóxico para o fígado em doses elevadas. A superdosagem é uma emergência médica séria e pode levar a danos hepáticos graves e, em casos extremos, à morte. Por isso, é fundamental respeitar a dosagem máxima diária e as instruções da embalagem ou do seu médico.

As pesquisas que derrubam o mito

A maioria das preocupações surgiu de estudos que encontraram uma associação entre o uso de paracetamol durante a gestação e diagnósticos de autismo ou TDAH. No entanto, esses estudos frequentemente não conseguiam diferenciar a correlação da causalidade. Pesquisas mais recentes, com metodologias rigorosas, mudaram drasticamente nossa compreensão sobre o tema.

  • Análise entre irmãos (Estudo JAMA, 2024): Uma das pesquisas mais importantes, publicada na prestigiada revista JAMA, analisou dados de mais de 2,4 milhões de crianças na Suécia. O estudo utilizou a técnica de análise de controle por irmãos, comparando o desenvolvimento de irmãos nos quais um foi exposto ao paracetamol no útero e o outro não. A associação inicial observada entre o paracetamol e os transtornos do neurodesenvolvimento desapareceu completamente, indicando que a ligação não é causal, mas sim resultado de fatores genéticos e ambientais compartilhados pela família.
  • Revisão sistemática (Estudo JAMA Pediatrics, 2019): Um estudo anterior, que revisou a evidência científica disponível, concluiu que a maioria das pesquisas sobre o tema tinha limitações metodológicas significativas, como a incapacidade de controlar adequadamente os fatores de confusão. A revisão destacou que não havia evidências suficientes para provar uma ligação causal entre o uso de paracetamol na gravidez e os resultados de neurodesenvolvimento, alertando sobre o risco de conclusões precipitadas.

A despeito de todo conhecimento, ainda há quem espalhe desinformação​

Em 22 de setembro de 2025, o Presidente dos EUA Donald Trump e o Secretário de Saúde e Serviços Humanos, Robert F. Kennedy Jr., fizeram uma declaração que gerou grande controvérsia. Eles sugeriram que o paracetamol pode ter uma associação com o autismo e que a FDA iniciaria o processo de notificação aos médicos.

A declaração não é apoiada pela maioria da comunidade científica e médica de seu próprio país e a resposta foi imediata e crítica por parte de diversas organizações e especialistas:

  • O American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) criticou a declaração como “irresponsável” e “não respaldada pela totalidade das evidências científicas”. Eles reafirmaram que a febre e a dor na gravidez representam riscos maiores para a mãe e o feto do que o uso seguro de paracetamol (ACOG, 2025).
  • A Autism Science Foundation (ASF) publicou uma resposta em seu blog, na qual classificou a declaração como “não baseada em evidências científicas” e alertou que ela era prematura, pois se baseia em ciência limitada e inconsistente (Autism Science Foundation, 2025).

O prejuízo da desinformação

A desinformação, especialmente quando vem de fontes de autoridade, é profundamente prejudicial. Ela não só gera culpa e ansiedade desnecessárias em pais que não tiveram nenhuma responsabilidade, como também coloca gestantes em risco. A febre alta e a dor intensa na gravidez podem causar problemas sérios, e o medo de um medicamento seguro pode levar a escolhas perigosas.

Ao nos basearmos em fatos e em pesquisas de qualidade, podemos tomar decisões informadas e apoiar famílias com empatia e conhecimento verdadeiro. A ciência avança, e nosso entendimento sobre condições complexas como o autismo se aprofunda. É crucial que a informação que compartilhamos seja precisa e responsável.

Na Adapt, nosso compromisso é com a ciência e fazemos questão de trazer novidades sobre autismo e temos o dever ético de sempre trazer informações qualidade com embasamento e respaldadas pela comunidade científica.

Em tempo: A Importância de nunca se automedicar

Toda essa discussão sobre medicamentos nos leva à algo que parece óbvio, mas é uma regra constantemente quebrada por todos: a automedicação.

É vital lembrar a importância de não usar medicamentos sem a orientação de um profissional. Embora o paracetamol seja vendido sem receita, sua utilização deve ser sempre discutida com um médico ou farmacêutico. Eles podem avaliar a sua saúde, outras medicações que você esteja tomando e garantir que a dose seja segura e adequada para sua situação específica.

A saúde é um assunto complexo, e cada corpo reage de forma diferente. Confiar na orientação profissional é a maneira mais segura de garantir que você está se cuidando da melhor forma possível, evitando riscos desnecessários.

Referências

Ahlsson, F., Cnattingius, S., Olsson, R. S., Sundström, A., & Åberg, M. (2024). Prenatal Acetaminophen Use and Risk for Neurodevelopmental Disorders in Offspring. JAMA, 331(16), 1406-1415.

American College of Obstetricians and Gynecologists. (2025). ACOG Statement on Acetaminophen and Pregnancy. Acessado em 22 de setembro de 2025, de https://www.acog.org/news/news-releases/2025/09/acog-statement-on-acetaminophen-and-pregnancy

Autism Science Foundation. (2025). Response to President Trump’s Statement on Acetaminophen and Autism. Blog post. Acessado em 22 de setembro de 2025, de https://www.autismsciencefoundation.org/blog/response-to-president-trump-statement-on-acetaminophen-and-autism/

Bauer, A. Z., Kriebel, D., Gibson, E. A., & Williams, P. L. (2019). Prenatal Acetaminophen Use and Neurodevelopmental Outcomes: A Systematic Review. JAMA Pediatrics, 173(10), 960–969.

Foto de Fernando Lopes

Fernando Lopes

Psicólogo Comportamental, especialista em Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo pelo Núcleo Paradigma e um dos diretores da Adapt.