O aumento no número de diagnósticos de Autismo
Como pais, é natural que busquemos informações sobre o autismo para entender melhor o mundo dos nossos filhos. Um estudo recente da Universidade de Exeter, no Reino Unido, trouxe à tona um dado que pode causar espanto à primeira vista: a incidência de diagnósticos de autismo aumentou 787% entre 1998 e 2018. Mas, antes que a gente se assuste com o número, é fundamental entender o que ele realmente significa. A pesquisa sugere que esse aumento não se deve, principalmente, a um crescimento real de casos, mas sim a uma mudança significativa na forma como o autismo é reconhecido e diagnosticado.
Vamos mergulhar nos detalhes do estudo para decifrar o que está por trás desses números.
Quem está sendo mais diagnosticado?
O estudo mostra que o aumento nos diagnósticos não foi uniforme em todos os grupos. Ele se concentrou em novas populações que, no passado, raramente eram consideradas para o diagnóstico:
- Mulheres e meninas: Os diagnósticos cresceram mais acentuadamente no sexo feminino do que no masculino. Historicamente, o autismo era visto como uma condição majoritariamente masculina, e as características do autismo em meninas podem ser diferentes e mais difíceis de serem identificadas, levando a um subdiagnóstico. O aumento nos diagnósticos femininos sugere que campanhas de conscientização e uma melhor compreensão das particularidades do autismo nas mulheres estão surtindo efeito.
- Adultos: O maior crescimento na incidência de diagnósticos ocorreu entre adultos. No Reino Unido, a aprovação do “Autism Act” em 2009, que tornou obrigatória a oferta de serviços de diagnóstico para adultos, teve um impacto enorme. Isso mostra que muitos adultos que nunca foram diagnosticados na infância, hoje, estão buscando e recebendo o reconhecimento necessário.
Mudanças na percepção e no diagnóstico
A pesquisa sugere que o aumento dos diagnósticos é um reflexo direto de uma maior conscientização pública e de mudanças nas diretrizes de diagnóstico.
- Critérios de diagnóstico mais amplos: Com o tempo, a definição do autismo (agora conhecido como Transtorno do Espectro Autista – TEA) se tornou mais inclusiva. O espectro expandiu-se para incluir indivíduos com funcionamento mais alto e habilidades cognitivas, que talvez não tivessem sido diagnosticados no passado.
- Maior consciência pública: A crescente conscientização sobre o autismo, impulsionada pelo ativismo de grupos de pais e do movimento da neurodiversidade, levou a uma maior procura por diagnóstico. Essa conscientização ajuda a desestigmatizar o autismo, incentivando mais famílias e adultos a buscar ajuda e avaliação.
O artigo também destaca que, até 2013, o aumento foi impulsionado principalmente pelo diagnóstico de autismo “amplo” (refere-se à presença de características mais brandas e menos intensas do autismo), em vez de autismo severo. No entanto, após as revisões do DSM-5, a distinção entre esses subtipos se tornou menos comum, e o diagnóstico de “transtorno do espectro autista” se tornou o padrão.
O que isso significa para população?
O estudo ressalta que o aumento dos diagnósticos é um reflexo de uma sociedade que está aprendendo a reconhecer e a nomear o autismo de forma mais ampla e precisa.
- Validação da experiência: O aumento no diagnóstico de mulheres e adultos valida a experiência de muitas pessoas que, por muito tempo, se sentiram diferentes, mas não tinham uma explicação.
- Melhor acesso à ajuda: Um diagnóstico, mesmo na vida adulta, pode ser o primeiro passo para acessar o apoio e os serviços necessários.
É importante notar, no entanto, que o estudo aponta um desafio: o aumento na demanda por diagnósticos tem sobrecarregado os serviços de saúde, resultando em longas listas de espera. Além disso, a idade média de diagnóstico para o grupo infantil subiu, o que contrasta com o objetivo de muitas políticas de saúde de diagnosticar mais cedo. Isso ressalta a necessidade de mais investimentos em serviços de saúde para garantir que o reconhecimento seja acompanhado de acesso a apoio adequado.
Em resumo, o estudo da Universidade de Exeter não indica que o autismo está se tornando mais comum de forma alarmante, mas sim que estamos ficando melhores em reconhecê-lo. É um sinal positivo de que o entendimento sobre o autismo está evoluindo, e que mais pessoas estão recebendo o diagnóstico que merecem.
Os números oficiais no Brasil: uma estimativa
O número oficial mais confiável e recente sobre a quantidade de pessoas com autismo no Brasil vem do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pela primeira vez na história, o Censo Demográfico de 2022 incluiu perguntas específicas sobre autismo.
- Censo Demográfico 2022 (IBGE): A pesquisa aponta que 1,4 milhão de brasileiros com mais de 2 anos têm Transtorno do Espectro Autista (TEA). Este número foi obtido a partir de dados coletados na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), que incluiu a pergunta sobre TEA em sua seção de deficiências.
Note que este número é uma estimativa e serve como a melhor referência oficial que temos atualmente. Antes disso, as estimativas mais comuns eram projeções baseadas em dados internacionais, como o relatório do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos, que indica que cerca de 1 em cada 36 crianças é autista. Aplicando essa proporção à população brasileira, chegávamos a um número estimado de mais de 2 milhões de pessoas com TEA, mas essa era apenas uma projeção.
Onde buscar informações de qualidade?
Como pai ou responsável, é essencial saber onde encontrar dados e recursos confiáveis. Como não existe uma única base de dados do Ministério da Saúde que compile todas as informações de diagnóstico, os melhores locais para buscar informações são:
- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): É a fonte de dados oficiais mais importante do Brasil. Para informações sobre autismo, você deve procurar os relatórios e publicações relacionados ao Censo Demográfico e à Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), que agora incluem a questão do TEA.
- Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e Associações Médicas: Estas instituições publicam diretrizes e artigos sobre diagnóstico e tratamento que podem conter dados de pesquisas brasileiras e internacionais.
Como sempre, na Adapt estamos prontos para te ouvir e conversar sobre este e outros temas. Fale conosco!
Referências
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2023). Pessoas com deficiência ou TEA, segundo o Censo Demográfico 2022. Acessado em 12 de setembro de 2025, de https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/43464-censo-2022-identifica-2-4-milhoes-de-pessoas-diagnosticadas-com-autismo-no-brasil
Russell, G., Stapley, S., Newlove-Delgado, T., Salmon, A., White, R., Warren, F., Pearson, A., & Ford, T. (2021). Time trends in autism diagnosis over 20 years: a UK population‐based cohort study. Journal of Child Psychology and Psychiatry. doi:10.1111/jcpp.13505
Sociedade Brasileira de Pediatria. Documentos científicos, diretrizes e artigos sobre Transtorno do Espectro do Autismo. Acessado em 12 de setembro de 2025, de https://www.sbp.com.br/publicacoes/.
Quer saber mais?
Para aprofundar seu conhecimento sobre o tema, você pode conferir outros estudos que exploram as tendências nos diagnósticos de autismo e os fatores que contribuem para o aumento:
Boyle, C. A., Boulet, S., Schieve, L. A., Cohen, R. A., Blumberg, S. J., Yeargin-Allsopp, M., & Kogan, M. D. (2011). Trends in the prevalence of developmental disabilities in US children, 1997-2008. Pediatrics, 127(6), 1034-1042.
Parner, E. T., Schendel, D. E., & Thorsen, P. (2008). Autism prevalence trends over time in Denmark: Changes in prevalence and age at diagnosis. Archives of Pediatrics & Adolescent Medicine, 162(12), 1150–1156.
Lundström, S., Reichenberg, A., Anckarsäter, H., Lichtenstein, P., & Gillberg, C. (2015). Autism phenotype versus registered diagnosis in Swedish children: Prevalence trends over 10 years in general population samples. BMJ, 350, h1961.
Faça o download do artigo “Time trends in autism diagnosis over 20 years: a UK population‐based cohort study” de Ginny Russel e colegas, clicando no botão ao lado.

Fernando Lopes
Psicólogo Comportamental, especialista em Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo pelo Núcleo Paradigma e um dos diretores da Adapt.